O município de Itapoá (que em tupi significa “pedra da ponta”, ou ainda “arpão curto e largo”) compreende seus limites a toda a parte leste da Península do Sahy. Nesta península foi fundado o Distrito do Sahy – o primeiro distrito da história de Santa Catarina.
Itapoá pertenceu a São Francisco do Sul até 1963, quando da emancipação de Garuva. Assim, Itapoá passou a ser distrito do novo município em 01 de março de 1966, até a sua própria emancipação, em 26 de Abril de 1989.
O pesquisador Olavo Raul Quandt aponta em seu trabalho (Peabiru: Caminho Velho; 2002) a possível citação de Itapoá em cartas escritas pelo navegador espanhol Álvar Nuñes Cabeza de Vaca, por volta de 1545, quando esse castelhano singrou com sua frota naval a Baia da Babitonga, subindo o caminho do Monte Crista (em Garuva), dirigindo-se para Vila de Assunción, no Paraguai.
A menção em castelhano, do século XVI, cita as praias de Ytabuã (uma provável referência à Itapoá).
As primeiras levas colonizatórias no interior do Sahy (Sahy significa “olho vivo” em tupi) datam de 1640, com famílias portuguesas e descendentes provenientes de Paranaguá – PR (muito embora índios carijós habitassem a região).
Porém, devido ao fato do interior do Sahy permanecer eqüidistante dos dois centros populacionais mais próximos de então: ao Sul, a Villa de Nossa Senhora da Graça de São Francisco Xavier do Sul, e ao Norte, a Villa de São Luiz de Guaratuba, e aliando-se isso a um relevo muito acidentado, houve uma colonização tardia na península, que se efetivou de fato somente no século XX.
Outro agravante era que o Sahy compunha a parte continental de São Francisco do Sul – e o centro administrativo deste município sempre se concentrou na parte insular, ou seja, na ilha.
Provavelmente, o primeiro documento de terras oficial de Itapoá seja um pedido de sesmaria de 1804, do lavrador Antonio Vieira da Cunha (disponível no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro), que solicitou um lote de terras no lugar chamado Jagoaruna (que significa “onça negra”, em tupi).
Segundo o documento, ele vivia ali, com sua numerosa família, desde 1779. Suas terras iam da nascente do Rio Jagoaruna, até o mar. Esta carta de Sesmaria, diz que ao Norte, “hum sertão inculto”; e ao Sul, deste lote ficavam os cultivos de Salvador Alves Marinho, próximo a região atual da Figueira do Pontal, que aparece nomeado no mapa de Jerônimo Coelho de 1846, como Pontal do Norte.
Estas terras no Jagoaruna (atual localidade do município de Itapoá) geraram uma disputa com o Capitão de Milícia Leandro J. de Araújo, que almejava as mesmas terras, movido por conflitos pessoais.
Entretanto, Antonio Vieira da Cunha ganhou a disputa. Uma outra disputa territorial se mostrou em duas petições de sesmaria de 1805 – uma do Sargento Mor Inácio J. Cardoso, e outra de Francisca Martins da Conceição. Ambas as terras próximas as “Praias dos Morretes de Itapema” (Itapema quer dizer “pedra lajeada e rasa”, em tupi).
Esses pedidos também se encontram disponíveis no Arquivo Nacional. Fora esses três pedidos de sesmaria, todas as terras do Sahy, que correspondem ao atual município de Itapoá, continuavam devolutas, ou então, tomadas por antigos posseiros – como a colônia do Rio Sahy-Guassú (com registros desde 1880). Ter o título de uma sesmaria era privilégio de poucos, e o único instituto legal de terras até 1822 – aceitando, também, a posse pacífica da terra.
Em 1841, o homeopata francês Jules Mure adquire, das mãos de D. Pedro II, terras no Sahy, para fundar uma comunidade anarco-socialista chamada Falanstério – a primeira tentativa falansteriana nas Américas e a única do Brasil.
Esta comunidade – composta por imigrantes franceses, com sede em Vila da Glória – teve com um de seus projetos, a intenção de criar uma represa no Rio Sahy-Mirim, para movimentar engenhos. O empreendimento possibilitou o surgimento da Estrada Mangin, com os seus 17 pontilhos, ligando o interior do Sahy à Vila da Glória.
A comunidade utópica desestruturou-se em 1846; Poucos franceses permaneceram na comunidade de Vila de Glória.
A problemática dos limites
Os limites entre São Francisco e Guaratuba foram estabelecidos pela divisão geográfica da Península Sahy, ao norte – pela Ilha do Sahy, na foz do Rio Sahy-Guassú, em uma linha seguindo a oeste, que vai até a nascente no Rio Negro –, em 02 de maio de 1771.
Esta linha foi utilizada em 1853, quando D. Pedro II decretou o surgimento da Província do Paraná. Portanto, divisa de 1771, que persiste até hoje, foi a primeira risca de limites estabelecida entre paranaenses e catarinenses – pois no mais, como se sabe, culminou com a Guerra do Contestado (1912 – 1915).
Isso não significa que os limites entre Itapoá e Guaratuba, no passado, nunca tenham sido contestados. Em 1857, habitantes da Colônia do Sahy-Guassú (pertencente a São Francisco) invadiram terras da margem esquerda do citado rio – sendo já terras de Guaratuba.
A municipalidade francisquense nomeou um intendente de quarteirão para aquelas terras pertencentes à Vila de São Luiz de Guaratuba. A confusão gerou até morte. Não era somente um problema administrativo entre dois municípios mas entre Paraná e Santa Catarina.
Em 1858, Guaratuba envia uma intenção ao Império do Brasil para anexar boa parte do Sahy aos seus limites. Os limites paroquiais de Guaratuba, ao sul, já estaria até Itapema.
Porém, o litígio só foi resolvido em 1862, quando foram convocados engenheiros de ambas as províncias para analisarem os limites, desde a Barra do Sahy até a Serra do Mar.
Esta experiência mostrou ao poder público de São Francisco do Sul que o Sahy precisava ser efetivamente colonizado.
Em 1898, é assinado um contrato (com prazo estabelecido) para que uma empresa colonizasse o interior do Sahy, mais precisamente, as regiões de Braço do Norte, Sahy-Mirim, Jagoaruna e Serrinha. Era a Empresa Freitas Cardoso. Seu contrato caducou em 1918.
Todavia, consideráveis partes das terras do Sahy, e das que compõem hoje Garuva e Itapoá continuavam legalmente devolutas, embora, de fato, já tivessem posseiros havia décadas.
Em 1920, o Estado de Santa Catarina repassou todas as terras devolutas da Península do Sahy para uma firma de engenharia francesa, o Engenheiro parisiense Edmund Paix, chamada Paix & Cia; pagamento por serviços prestados ao estado catarinense.
O principal objetivo da empresa francesa na região foi o extrativismo do palmito e o beneficiamento de arroz e madeira – não havia preocupação com a imigração e a colonização.
Em 1930, a sociedade francesa entrou em falência, e as suas ações são repassadas a Empresa Agrícola e Industrial Palmital. E posteriormente, a uma outra firma francesa, chamada Societé Chimiqué de Gerland, de Lion. As empresas lotearam as terras do Sahy, realizando os primeiros serviços de ordem imobiliária na região. Cada uma das firmas, por sua vez, revendeu suas terras a particulares ou a outras imobiliárias, como a empresa SIAP – Sociedade Imobiliária e Pastoril Ltda, e a SOCOPEL – Sociedade Comercial Pérola Ltda. A partir da década de 1950, efetiva-se a ocupação humana na região que hoje compreende ao município de Itapoá, abrindo estradas e loteando as terras fecundas e adormecidas do Sahy.
Fonte: Jornal da Educação.
* Gleison Vieira é pesquisador, escritor e professor de História na Escola de Educação Básica “Carmem Seara Leite”, em Garuva – SC. É formado em História pela Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE) e aluno de Mestrado da Faculdade da Região de Blumenau (FURB).